Entrei no Instituto de Economia da Unicamp em 2002. Não vivia a universidade por dentro antes, mas sei pelos mais velhos que o movimento estudantil vem tendo um forte crescimento de importância desde 2000, quando teve aquela grande greve nas universidades estaduais paulistas, como resultado de anos sem reajuste salarial. Mas não são apenas boas notícias que produz o movimento estudantil nesta década. Aponto neste texto dois problemas do atual movimento estudantil: algumas formas utilizadas para protestos e a necessidade questionável de alguns protestos.
Há motivos para contestar os decretos do governador José Serra em relação à gestão das universidades, mas o prolongamento desnecessário da ocupação da reitoria da USP, assim como a negligência em relação aos furtos, foram espetáculos lamentáveis. Acredito que não tenham sido estudantes os responsáveis pelo roubo de computadores, mas a ocupação, mesmo sem intenção, facilitou a ação de ladrões. É triste que estudantes tão (com razão) preocupados com a possível perda de participação de ICMS permitam roubos de patrimônio da universidade debaixo de seus narizes. Neste caso, havia apenas alguma causa justa para protestar. Durante meu período de graduação na Unicamp (2002-2006), vi coisas piores: protestos violentos por motivos cretinos. Já houve até movimento contra (hehehe) a contrução de uma agência bancária dentro do campus!?!? Houve também uma invasão à reitoria sem qualquer motivo (em 2004). Já vi também ameaças de "pular catraca" contra o possível aumento do preço do bandejão. Ou seja, um movimento pela transferência de um pedacinho do ICMS para os estômagos da classe média (Obs: eu sei que 1/3 dos estudantes da Unicamp vieram de escola pública. Que estes sejam auxiliados e ponto final. Nada de merenda escolar para os mais afluentes).
Creio que um dos motivos para o abuso e banalização dos atos de desobediência, assim como o excesso de criatividade na invenção de causas para protestos, é a nostalgia dos anos 60. Os atuais estudantes não viveram este período, mas foram intensamente bombardeados por pais, filmes, livros e professores. Informações sobre aquela época foram misturadas como em um caleidoscópio, e essa imagem formada, composta por rebeldia, protestos, sexo, rock, MPB e transgressão, fornece a impressão que aquela época foi muito legal. E deve ter sido mesmo. O problema é a tentativa de reviver uma época passada em um contexto completamente diferente.
Em primeiro lugar, o contexto que exigia ações de desobediência não é o mesmo. Em uma situação de ditadura, distribuir panfletos contra o governo e invadir prédios é considerado crime. Em uma situação de não-ditadura, distribuir panfletos contra o governo não é crime, mas invadir prédios continua sendo. Mas em uma ditadura, ambas as ações, embora consideradas criminosas pelas autoridades, são moralmente aceitáveis para muita gente, uma vez que é impossível se expressar nos limites da lei. Isto não ocorre em uma situação de não ditadura. Mesmo os movimentos contestatórios realizados nos EUA e na Europa no final dos anos 60, estavam dentro do contexto, pois não havia governos autoritários, mas havia universidades mais autoritárias e sociedades mais autoritárias.
Em segundo lugar, a reprodução dos anos 60 é caricata. Da mesma forma que uma caricatura capta os exageros de uma pessoa, os autais estudantes citados trazem para a época atual os exageros da época. Ouve-se falar que naquele tempo fazia-se muita política, então, faz-se política. Mas assim como vemos a Idade Média como um período em que a religião era a parte mais importante da vida das pessoas porque quem contou a história foram os religiosos, vemos os anos 60 como um período em que a política era muito importante porque quem mais conta a história são pessoas para quem a política era muito importante. Todavia, é muito difícil aceitar a hipótese de que todos os estudantes faziam política das 6 da manhã às 11 da noite. Como eram menos vagas existentes nas universidades, é normal imaginar que era necessário estudar mais para entrar e se manter nos cursos superiores. Outro exemplo da reprodução caricaturizada de uma época na outra é esse hábito que alguns estudantes politizados têm de usar roupas de hippie, mesmo não tendo tido esse movimento muita importância política no Brasil. Essa imitação de épocas passadas é semelhante à adaptação feita por um restaurante de comida estrangeira ao gosto dos locais.
Não é apenas o saudosismo que explica a existência de manifestações de desobediência por causa de coisas irrelevantes. Há também o interesse de líderes estudantis partidários de criar visibilidade para seus partidos. Mas a adesão dos demais estudantes tem um pouco desse sessentismo.
Foi muito positivo o ressurgimento do movimento estudantil no início desta década. Mas seria melhor se fosse um movimento dos anos 2000, e não um movimento dos anos 60 deslocado 40 anos.