Nos Estados Unidos, quem acorda de manhã e sai para comprar jornal, tem a opção de escolher entre o esquerdista The New York Times e o direitista The Wall Street Journal. Na França, a escolha é entre o esquerdista Le Monde e o direitista Le Figaro. Mesmo na vizinha Argentina, a imprensa é plural, permitindo a escolha entre o esquerdista Clarin e o direitista La Nacion.
No Brasil, a pluralidade só existe na Internet, de custo fixo quase zero. Não há grande diferença de posições políticas entre os jornais impressos Folha de S. Paulo, o Estado e o Globo, que não se diferem muito da posição da principal rede de TV. Enquanto nas eleições presidenciais dos EUA em 2004 os jornais e as redes de TV se dividiram no apoio entre Bush e Kerry, o pluralismo na grande mídia brasileira nas eleições de 2006 se resumiu na divisão entre os que apoiavam Alckmin porque ele era bom e entre os que apoiavam Alckmin porque ele era menos pior que o Lula.
Isto quer dizer que não existem jornais e revistas de esquerda no Brasil? É óbvio que existem. E muitos: Caros Amigos, Fórum, Brasil de Fato, Hora do Povo etc. O problema é que eles fornecem apenas opinião. Podem eventualmente fornecer informação, mas apenas sobre assuntos de interesse de militantes. Portanto, mesmo esquerdistas como eu, críticos da manipulação da grande mídia, precisam recorrer à Folha, ao Estado e ao Jornal Nacional para obter informação sobre assuntos de interesse geral. A revista Carta Capital é o único periódico de esquerda que sai um pouco da linha opinião-militância pura. Tanto que é o mais influente e o que causa mais irritação na direita. Mas ainda assim, em algumas matérias, a argumentação predomina em espaços que deveriam ser reservados ao predomínio da narração. Porém, de forma menos acentuada do que o Panfleto Semanal de Direita, que só sobrevive como revista voltada ao público geral devido ao respeito conquistado na era do Mino Carta.
Jornalistas de esquerda poderiam pensar em criar um jornal não convencional em conteúdo, mas convencional na forma, com a tradicional divisão de cadernos Brasil-Mundo-Economia-Cultura-Esportes. Em termos de forma, poderiam ser introduzidas algumas pequenas diferenças. O jornal poderia ser um pouco mais simples, mais baratos e com temas de interesse para o trabalhador braçal. Se os criadores deste suposto jornal não conseguirem apoio de uma grande empresa, poderiam trabalhar em cooperativa. E tentar conseguir dinheiro de sindicatos (de vários, para evitar partidarização).
Mercado para um jornal de esquerda existe. Embora a classe média esteja mais conservadora hoje do que há uma década, ainda hoje há um número absoluto grande de pessoas com renda para comprar um jornal e produtos nele anunciados que teriam interesse em ler uma publicação com posições de esquerda, ou pelo menos de centro-esquerda. Na verdade, há uma demanda reprimida por este tipo de produto, que se direciona para a Folha de S. Paulo, um jornal não-esquerdista que possui pluralidade interna um pouco maior que os demais jornais. O próprio Bispo Edir Macedo descobriu este mercado potencial. A Record tem um programa apresentado pelo Paulo Henrique Amorin.
A partidarização da grande mídia brasileira
Quem leu este texto do início, pode ter perguntado "New York Times de esquerda? NYT é menos esquerdista que alguns jornais brasileiros". Pode até ser. Mas o NYT costuma apoiar o Partido Democrata, o partido mais à esquerda no espectro local (mesmo não sendo no espectro global). Aqui no Brasil, todos os principais jornalões e revistonas estão mais próximos da dupla PSDB-DEM, ou seja, a principal força de direita no nosso espectro político.
Isto não quer dizer que a grande mídia no Brasil seja um veículo de propaganda do PSDB-DEM. Na verdade, os grandes jornais e revistas viraram um partido próprio, sendo chamado de PM (Partido da Mídia) ou PI (Partido da Imprensa). O PSDB-DEM agem apenas como papagaios do PI. Entre as bandeiras do PI, estão a defesa da ala monetarista da equipe econômica do governo Lula e o ataque ao governo Lula pelos flancos que não sejam o da Economia.
A prova mais concreta da partidarização da grande mídia ocorreu na semana passada. Ali Kamel, o diretor-executivo de jornalismo da Globo, escreveu um artigo denunciando a doutrinação marxista às nossas crianças por um livro didático, e no dia seguinte, a Folha e o Estado endossaram o coro de forma acrítica, sem mencionar o fato que o turcudenista simplesmente selecionou os trechos do livro que eram favoráveis à sua tese. O livro escolar em questão tinha visão marxista de história (historiador marxista?, não diga), mas não fazia apologia a Mao-Tse Tung, como Ali dizia. Além disso, o artigo deu a entender que o Ministério da Educação havia escolhido o livro, o que não ocorre no Brasil, onde os livros são escolhidos pelos próprios professores. Ali Kamel simplesmente queria que o MEC censurasse livros.
Papagaiando o PI, o deputado Paulo Renato endossou o coro dos indignados contra a doutrinação gramsciana de nossas crianças. Esqueceram-no de avisar que este livro foi escolhido durante sua gestão no Ministério.
Um jornalão de esquerda poderia responder às iniciativas autoritárias de "defensores da liberdade".