Brasil de Flato, o blog

terça-feira, março 07, 2006

Ainda o Bono

Meus 3,4 leitores já devem estar de saco cheio de tanto ler na mídia artigos e comentários referentes ao U2, mas é exatamente o fato de eu também estar de saco cheio que me motiva a escrever este texto. O padrão da maioria dos textos que sai na mídia é dizer que o Bono é imbecil, que seus fãs são imbecis, que o autor do artigo é inteligente e esclarecidos e que os leitores do artigo são inteligentes e esclarecidos. Ora, quem furou fila para comprar ingresso, quem pediu para a vovó comprar ou quem acampou dois dias antes é realmente imbecil, mas criticá-los não torna ninguém mais inteligente.

Agora quanto ao U2, não se pode negar que fizeram dois belos shows, seja em termos de repertório, seja em termos de presença de palco, seja em termos de efeitos visuais. Tudo bem que foram dois shows idênticos, mas como pouco é improvidado e quase tudo é antecipadamente preparado, é meio difícil mesmo fazer dois shows diferentes. O que na hora pode ter emplogado menos que as músicas foram os discursos contra a miséria, a fome, a guerra, pelos direitos humanos e pela tolerância religiosa, embora no último caso tenha sido uma linda idéia criativa a faixa e o telão mostrando a palavra COEXISTA com o crescente islâmico no lugar do C, a estrela de Davi no lugar de X e a cruz cristã no lugar de T. Tais manifestações não foram tão empolgantes porque faltou um alvo definido a ser combatido. Quem seria a favor da miséria, da fome, da guerra, da violação dos direitos humanos e da intolerância religiosa? O pior é que parece que tem gente que responderia a algumas perguntas de forma afirmativa. Basta ler e ouvir os comentários dos neoconservadores cada vez mais bicudinhos. Reinaldo Azevedo e Caio Blinder, jornalistas da revista Direita Leitura sugeriram a Bono que exibisse a faixa dos três símbolos religiosos na Palestina e no Irã, querendo dizer que o islamismo não é digno de ter sua tolerância solicitada uma vez que esta religião seria intolerante com as demais. Foi um grande comentário de quem procura pêlo em ovo. Bono não tem que pedir tolerância no Oriente porque o rock é uma linguagem ocidental. O que tem demais o vocalista do U2 pedir tolerância no Ocidente e um líder que se comunique na linguagem dos orientais pedir tolerância a estes? A revista semanal mais vendida do Brasil, vulgarmente conhecida como "O Panfletão", também entrou na onda. Na tradicionail sessão das setinhas, de quem esteve por alto e quem esteve por baixo na semana, Bono teve sua setinha para baixo porque seria "muito chato ao pregar o discurso politicamente correto". O "politicamente correto" é uma doutrina que surgiu nos anos oitenta e que prega a mudança de certas palavras para evitar ofensas a minorias. Um exemplo do politicamente correto a exigência de substituir "menor" por "criança" ou "adolescente". Sou indiferente ao politicamente correto, acho inócua a tentativa de acabar com a discriminação atrás da impressão de novos dicionários. Mas tenho medo do anti-politicamente correto. Isto porque os neoconservadores passaram a denominar "politicamente correto" qualquer um que fosse contra suas doutrinas. Portanto, "politicamente correto" não era mais apenas quem queria substituir "boiola" por "homossexual", mas também quem fosse a favor do casamento homossexual, contra as guerras de Bush e contra o ensino do design inteligente. Quem acha "chata" alguma atitude é normalmente quem apóia a motivação de tal atitude, porém não concorda da maneira que é feita. Não é o caso do Panfletão, que teria sido mais honesto ao dizer não que o Bono é "chato por pregar o politicamente correto" e sim que é contra a doutrina da revista.
A raiva da direita contra Bono mostra que a direita está cada vez mais raivosa. Isto porque o líder do U2 sempre foi moderado em seu ativismo, sempre deu mais importância para o ativismo social do que o ativismo político. Esta caráter pouco politizado foi explícito antes do U2 tocar a música One, quando foi pedido que a esquerda e a direita se unissem na luta contra a miséria. Isto faz com que Bono seja criticado também por algumas pessoas de esquerda. Algumas críticas podem fazer sentido, porém, é preciso lembrar que é importante a diversidade de ativismos. É muito saudável uns fazerem opção pela militância política, outros pela social. E se Bono fizesse um discurso claramente de esquerda, teria muito menos alcance nos canais de comunicação do que tem atualmente.

Apesar de tudo, Bono Vox cometeu uma incoerência: se ele é tão pacifista, porque chamou um canhão para dançar com ele no palco?