Sobre o poder de falar merda
Para quem não me conhece, sou estudante de graduação de Ciências Econômicas na Unicamp e curso o último ano. Lembro-me muito bem de uma história que aconteceu comigo na faculdade que bem exemplifica o ato de falar merda.
O ano era 2004 e o mês era novembro. A chapa que eu apoiava (mas não participava diretamente) foi eleita para a diretoria do CAECO (o Centro Acadêmico dos estudantes do instituto), pondo fim a um ano de política de pão e circo que vigorava até então na entidade. Após a chapa tomar posse, fui escalado para integrar a comissão do grupo de cinema do CA, que se encarregaria de exibir filmes no auditório do Instituto. Junto comigo, mais duas pessoas, entre elas uma colega que já havia trabalhado junto comigo anteriormente neste tipo de atividade (e muito bem, por sinal). Embora já fosse novembro, optei por iniciar as atividades ainda naquele ano. Um aluno sugeriu a exibição do filme “Amor Estranho Amor” e até me ofereceu a fita, que ele tinha em casa. Para quem não sabe, “Amor Estranho Amor” é um filme mais ou menos pornochanchada produzido em 1982, com a então jovem atriz Maria da Graça Meneghel. Consultei os dois demais membros da comissão, inclusive essa colega. Nenhuma reprovação. Isto era um sexta-feira, pelo que eu lembro. Então, no fim de semana eu preparei os cartazes para serem divulgados em toda a Unicamp, não antes de ter mais uma vez consultado a comissão. Novamente, nenhuma reprovação. Na terça-feira, eu já estava com a confirmação da reserva do auditório para tal exibição, que seria realizada na quinta, e os cartazes de divulgação já estavam em todos os murais da universidade. Voltei para casa animado e eis que lá pelas nove da noite, quando cumpro meu ritual diário de verificar minha caixa de e-mail, me deparo com uma mensagem dessa colega discordando da exibição daquele gênero de filmes, dizendo que “vão achar que a gente está de brincadeira” e que aquilo iria “prejudicar a imagen do instituto”. Pensei: que merda! Como assim “prejudicar a imagem do instituto”? Fiquei imaginando um debate no programa Painel do Globo News, em que Belluzzo e Gustavo Franco discutem os rumos da economia brasileira. Eis que em dado momento, este último fala: “você não tem envergadura moral pra discordar de mim, você não é sério, isto porque os alunos de sua faculdade passam filme de sacanagem da Xuxa”. Ou então, um vestibulando discutindo com seu pai: “filho, você não vai prestar Economia na Unicamp”, “por que, papai? Porque ensina mal Matemática, porque não prepara direito pro mercado de trabalho?”, “não filhinho, é que os alunos passam filme de sacanagem da Xuxa”.
O tal e-mail foi um autêntico exemplo do que é falar merda. Pensei em responder à altura, mandando enfiar no meio daquele lugar, o teclado ou o mouse do computador utilizado para cagar na minha caixa de e-mail, mas optei por uma resposta bem educada. Fiz o certo. Devemos admitir que falar merda não é exclusivo de uma ou de outra pessoa. É um hábito generalizado na civilazação moderna. E não só na civilização moderna. Aristóteles dizia que certos insetos haviam sido espontaneamente gerados pelo orvalho que caiu sobre as plantas. Mas é na civilização moderna que surgiram os mais sofisticados meios de comunicação para difundir as merdas, meios estes que agem como grandes penicos virtuais. Pelé disse uma vez no início dos anos noventa que ainda no século XX, uma seleção africana seria campeã do mundo, isto faltando apenas duas Copas. Carla Perez disse uma vez que gostaria de ir para a Europa, principalmente para Nova York. Fernando Henrique Cardoso disse em 1998 que na Copa daquele ano o Brasil deveria ter como adversários mais fortes seus vizinhos Argentina e Uruguai. O problema era que o Uruguai não disputava a Copa daquele ano. José Serra afirmou que a gravidez da Xuxa (mais uma vez ela neste artigo) incentivaria a gravidez de adolescentes. George W. Bush disse que a maioria das importações dos Estados Unidos vinha de fora do país. Lula disse que sua mãe havia nascido analfabeta. Diogo Mainardi disse que o ano de 2003 foi o de menor crescimento na história do Brasil (como se 0,5% fosse menor do que os -4% de 1990).
Aí a gente fica pensando: seria um demérito dessas pessoas citadas a quantidade de merda que falam? Não, na verdade isto é um mérito. Se não tivessem outra habilidade especial, suas merdas jamais seriam difundidas, ou então, seriam esquecidas. Ter o marrom da merda gravada no pano branco da história é sinal de poder, poder conquistado por alguma habilidade especial. Pelé foi o maior jogador de futebol de todos os tempos. Carla Perez atraía muitos olhos devido ao seu generoso traseiro. Fernando Henrique Cardoso foi um conhecido sociólogo, político e ainda por cima, eleito presidente do Brasil duas vezes. José Serra foi outro político conhecido, além de ter sido nomeado para Ministro da Saúde. George W. Bush pode não ser o maior exemplo de inteligência e cultura, mas eve a habilidade de fazer com que o estadunidense médio se identificasse com ele, e portanto, votasse nele. Lula comandou greves durante o regime militar, foi um dos principais fundadores do mais importante partido do Brasil e se elegeu presidente com 52 milhões de votos. Diogo Mainardi tem a habilidade de divulgar de forma pasteurizada as opiniões políticas de seu patrão. Se não fossem os méritos citados, a mídia não teria fornecido penico para tais merdas.
Agora voltando a falar dessa colega, houve outra merda, dita também por e-mail, dessa vez, no início de 2005. Naquele tempo, a chapa do Centro Acadêmico estava organizando a chopada de recepção dos calouros. Uma reunião com os alunos decidiu que o evento seria realizado em um pequeno bar alternativo localizado perto da Unicamp, e que seria animado por uma banda de pagode. No dia seguinte à reunião, postei uma mensagem no Orkut, na comunidade Economia Unicamp, pedindo a revisão do resultado da reunião, devido à incompatibilidade das decisões (era pouco provável que o dono do bar aceitasse uma banda de pagode, e prevalescendo o bom senso, acabou não aceitando mesmo). Teve gente que considerou minha atitude um pouco antidemocrática, pois o resultado da reunião havia sido obtido por decisão democrática. Até aí tudo bem, são opiniões que respeito. Na verdade, considerei posteriormente que foi completamente irrelevante a discussão que introduzi no Orkut. Bom, mas aí um certo dia eu abro minha caixa de e-mail, dessa vez pela manhã, e eis que eu vejo uma mensagem dessa minha colega, dizendo que o que eu fiz “queimaria o filme da gestão”. Fiquei imaginando os alunos da faculdade dizendo “aquele chapa é horrível, tem gente séria lá dentro, mas tem um cara que não faz parte efetivamente da chapa que postou uma mensagem no Orkut e portanto a chapa é horrível”. Essa menina havia perdido outra oportunidade não de ficar de boca fechada, mas de braço engessado, porque ambas as merdas haviam sido lançadas via teclado. Ao contrário da ocasião anterior, não optei nem pela resposta bem educada, nem pela resposta mal educada, mas por simplesmente ignorar.
Mas se eu voltei a lembrar disso e a merda ainda está gravada no meu cérebro, minha colega tem algum poder decorrente de alguma habilidade especial, que não cabe aqui discutir. Como ela foi convidada a integrar a chapa, deve ter alguma habilidade, como eu ainda tenho alguma simpatia por ela, deve ter mesmo algum poder. Mas tal poder é muito menos relevante do que o das outras pessoas citadas. Uma vez que a merda repercutiu muito menos.
De qualquer forma, espero que com este blog, que acabo de inaugurar, eu venha a ter o poder de gravar para sempre na história da humanidade as merdas que eu escrevo. Desejo um grande sucesso pra mim mesmo!
E mais importante que isso, espero gravar na história da humanidade as coisas sérias que escrevo. Pretendo mudar o mundo com o blog. Brincadeira, estou eagerando.
O ano era 2004 e o mês era novembro. A chapa que eu apoiava (mas não participava diretamente) foi eleita para a diretoria do CAECO (o Centro Acadêmico dos estudantes do instituto), pondo fim a um ano de política de pão e circo que vigorava até então na entidade. Após a chapa tomar posse, fui escalado para integrar a comissão do grupo de cinema do CA, que se encarregaria de exibir filmes no auditório do Instituto. Junto comigo, mais duas pessoas, entre elas uma colega que já havia trabalhado junto comigo anteriormente neste tipo de atividade (e muito bem, por sinal). Embora já fosse novembro, optei por iniciar as atividades ainda naquele ano. Um aluno sugeriu a exibição do filme “Amor Estranho Amor” e até me ofereceu a fita, que ele tinha em casa. Para quem não sabe, “Amor Estranho Amor” é um filme mais ou menos pornochanchada produzido em 1982, com a então jovem atriz Maria da Graça Meneghel. Consultei os dois demais membros da comissão, inclusive essa colega. Nenhuma reprovação. Isto era um sexta-feira, pelo que eu lembro. Então, no fim de semana eu preparei os cartazes para serem divulgados em toda a Unicamp, não antes de ter mais uma vez consultado a comissão. Novamente, nenhuma reprovação. Na terça-feira, eu já estava com a confirmação da reserva do auditório para tal exibição, que seria realizada na quinta, e os cartazes de divulgação já estavam em todos os murais da universidade. Voltei para casa animado e eis que lá pelas nove da noite, quando cumpro meu ritual diário de verificar minha caixa de e-mail, me deparo com uma mensagem dessa colega discordando da exibição daquele gênero de filmes, dizendo que “vão achar que a gente está de brincadeira” e que aquilo iria “prejudicar a imagen do instituto”. Pensei: que merda! Como assim “prejudicar a imagem do instituto”? Fiquei imaginando um debate no programa Painel do Globo News, em que Belluzzo e Gustavo Franco discutem os rumos da economia brasileira. Eis que em dado momento, este último fala: “você não tem envergadura moral pra discordar de mim, você não é sério, isto porque os alunos de sua faculdade passam filme de sacanagem da Xuxa”. Ou então, um vestibulando discutindo com seu pai: “filho, você não vai prestar Economia na Unicamp”, “por que, papai? Porque ensina mal Matemática, porque não prepara direito pro mercado de trabalho?”, “não filhinho, é que os alunos passam filme de sacanagem da Xuxa”.
O tal e-mail foi um autêntico exemplo do que é falar merda. Pensei em responder à altura, mandando enfiar no meio daquele lugar, o teclado ou o mouse do computador utilizado para cagar na minha caixa de e-mail, mas optei por uma resposta bem educada. Fiz o certo. Devemos admitir que falar merda não é exclusivo de uma ou de outra pessoa. É um hábito generalizado na civilazação moderna. E não só na civilização moderna. Aristóteles dizia que certos insetos haviam sido espontaneamente gerados pelo orvalho que caiu sobre as plantas. Mas é na civilização moderna que surgiram os mais sofisticados meios de comunicação para difundir as merdas, meios estes que agem como grandes penicos virtuais. Pelé disse uma vez no início dos anos noventa que ainda no século XX, uma seleção africana seria campeã do mundo, isto faltando apenas duas Copas. Carla Perez disse uma vez que gostaria de ir para a Europa, principalmente para Nova York. Fernando Henrique Cardoso disse em 1998 que na Copa daquele ano o Brasil deveria ter como adversários mais fortes seus vizinhos Argentina e Uruguai. O problema era que o Uruguai não disputava a Copa daquele ano. José Serra afirmou que a gravidez da Xuxa (mais uma vez ela neste artigo) incentivaria a gravidez de adolescentes. George W. Bush disse que a maioria das importações dos Estados Unidos vinha de fora do país. Lula disse que sua mãe havia nascido analfabeta. Diogo Mainardi disse que o ano de 2003 foi o de menor crescimento na história do Brasil (como se 0,5% fosse menor do que os -4% de 1990).
Aí a gente fica pensando: seria um demérito dessas pessoas citadas a quantidade de merda que falam? Não, na verdade isto é um mérito. Se não tivessem outra habilidade especial, suas merdas jamais seriam difundidas, ou então, seriam esquecidas. Ter o marrom da merda gravada no pano branco da história é sinal de poder, poder conquistado por alguma habilidade especial. Pelé foi o maior jogador de futebol de todos os tempos. Carla Perez atraía muitos olhos devido ao seu generoso traseiro. Fernando Henrique Cardoso foi um conhecido sociólogo, político e ainda por cima, eleito presidente do Brasil duas vezes. José Serra foi outro político conhecido, além de ter sido nomeado para Ministro da Saúde. George W. Bush pode não ser o maior exemplo de inteligência e cultura, mas eve a habilidade de fazer com que o estadunidense médio se identificasse com ele, e portanto, votasse nele. Lula comandou greves durante o regime militar, foi um dos principais fundadores do mais importante partido do Brasil e se elegeu presidente com 52 milhões de votos. Diogo Mainardi tem a habilidade de divulgar de forma pasteurizada as opiniões políticas de seu patrão. Se não fossem os méritos citados, a mídia não teria fornecido penico para tais merdas.
Agora voltando a falar dessa colega, houve outra merda, dita também por e-mail, dessa vez, no início de 2005. Naquele tempo, a chapa do Centro Acadêmico estava organizando a chopada de recepção dos calouros. Uma reunião com os alunos decidiu que o evento seria realizado em um pequeno bar alternativo localizado perto da Unicamp, e que seria animado por uma banda de pagode. No dia seguinte à reunião, postei uma mensagem no Orkut, na comunidade Economia Unicamp, pedindo a revisão do resultado da reunião, devido à incompatibilidade das decisões (era pouco provável que o dono do bar aceitasse uma banda de pagode, e prevalescendo o bom senso, acabou não aceitando mesmo). Teve gente que considerou minha atitude um pouco antidemocrática, pois o resultado da reunião havia sido obtido por decisão democrática. Até aí tudo bem, são opiniões que respeito. Na verdade, considerei posteriormente que foi completamente irrelevante a discussão que introduzi no Orkut. Bom, mas aí um certo dia eu abro minha caixa de e-mail, dessa vez pela manhã, e eis que eu vejo uma mensagem dessa minha colega, dizendo que o que eu fiz “queimaria o filme da gestão”. Fiquei imaginando os alunos da faculdade dizendo “aquele chapa é horrível, tem gente séria lá dentro, mas tem um cara que não faz parte efetivamente da chapa que postou uma mensagem no Orkut e portanto a chapa é horrível”. Essa menina havia perdido outra oportunidade não de ficar de boca fechada, mas de braço engessado, porque ambas as merdas haviam sido lançadas via teclado. Ao contrário da ocasião anterior, não optei nem pela resposta bem educada, nem pela resposta mal educada, mas por simplesmente ignorar.
Mas se eu voltei a lembrar disso e a merda ainda está gravada no meu cérebro, minha colega tem algum poder decorrente de alguma habilidade especial, que não cabe aqui discutir. Como ela foi convidada a integrar a chapa, deve ter alguma habilidade, como eu ainda tenho alguma simpatia por ela, deve ter mesmo algum poder. Mas tal poder é muito menos relevante do que o das outras pessoas citadas. Uma vez que a merda repercutiu muito menos.
De qualquer forma, espero que com este blog, que acabo de inaugurar, eu venha a ter o poder de gravar para sempre na história da humanidade as merdas que eu escrevo. Desejo um grande sucesso pra mim mesmo!
E mais importante que isso, espero gravar na história da humanidade as coisas sérias que escrevo. Pretendo mudar o mundo com o blog. Brincadeira, estou eagerando.
2 Comments:
Exelente o texto!
Realmente a internet e a expansão da mídia televisiva foram um megafone para que as merdas fossem espalhadas cada vez mais longe e com mais intensidade.
Só achei um pouco preconceituoso da sua parte de citar o Diogo Mainardi no texto, acho que uma pessoa com problemas mentais não tem culpa de expelir esgoto em cada palavra que fala.
Ele é uma pessoa letrada, culta e um cineastra de respeito..
Vide seus trabalhos em..
er..
em....
Ah.. depois eu pesquiso no google e te mando!
hehehe
Abraço e sucesso no blog!
Com certeza voltarei aqui!
"E mais importante que isso, espero gravar na história da humanidade as coisas sérias que escrevo."
Pronto! Já começou a produzir merda! Go, Marcelo, go!
Postar um comentário
<< Home