Brasil de Flato, o blog

segunda-feira, outubro 30, 2006

Os perigos do voto distrital

Passadas as eleições, a atenção se volta para a reforma política. Um dos ítens propostos por nove em cada dez comentaristas políticos, e também por papagaios de comentaristas políticos, é o voto distrital. De acordo com este sistema, os Estados seriam dividos em distritos e cada distrito elegeria seu deputado por votação majoritária simples. Os defensores dizem que este sistema cortaria custos de campanha, uma vez que os candidatos não teriam que fazer campanha no estado inteiro, e facilitaria a cobrança feita pelo eleitor, porque os deputados seriam mais conhecidos em sua localidade.
Estas vantagens, se existem, são muito menores do que as enormes desvantagens existentes no sistema de voto distrital. A primeira é a eliminação do debate de temas nacionalmente relevantes no período eleitoral. Para serem reeleitos, os deputados teriam que mostrar as benfeitorias realizadas para seus distritos através de emendas parlamentares. Os deputados, não seriam mais defensores de classes sociais ou de grupos de interesse, mas de localidades. O debate político seria praticamente extinto, idéias dos candidatos seria irrelevante, o interesse da eleição seria voltado àquele que construiu mais creches e quadras esportivas no bairro. A Câmara Federal se transformaria em Câmara Municipal. A segunda desvantagem é o bloqueio à representação de minorias. Democracia não pode ser vista como tirania da maioria. Um candidato, cuja a bandeira é a defesa dos direitos dos homossexuais, por exemplo, tem votos suficientes para ser eleito pelo sistema proporcional, porque existem homossexuais e simpatizantes difusos em um estado em um país. Mas dificilmente teria a maioria em um distrito específico. O mesmo ocorre com deputados cujas bandeiras são específicas, como meio ambiente, redução de impostos ou educação. Sua base eleitoral não é concentrada em apenas uma localidade. Destaca-se também os deputados nacionalmente conhecidos, como Fernando Gabeira, que não tem seu eleitorado geograficamente restrito.
Para atenuar estes problemas citados, alguns políticos defendem o voto distrital misto (sistema alemão), que se difere um pouco do voto distrital puro (sistema norte-americano). Com o sistema misto, metade do Parlamento é eleito pelo voto distrital e a outra metade é eleita pelo voto proporcional partidário com lista fechada. Cada eleitor vota duas vezes, uma para o candidato do seu distrito, outra para o partido. O voto distrital misto funciona muito bem na Alemanha, mas pode ter dificuldade de se adaptar à complexidade da sociedade brasileira, que habita este território gigante. De qualquer forma, para ser aplicado aqui, o voto distrital misto é menos pior que o puro. Alguns defensores do voto distrital puro, como o ex-presidente FHC e o colunista Roberto Pompeu de Toledo, dizem que o sistema alemão é muito complexo e o eleitor brasileiro seria incapaz de entendê-lo. Argumentos estúpidos como este mostram como é difícil defender a aplicação do voto distrital puro no Brasil.
O atual sistema brasileiro, proporcional com lista aberta, tem inúmeros defeitos, como a possiblidade de um Enéas eleger ilustres desconhecidos de seu partido. Mesmo assim são defeitos menos piores do que os existentes em um sistema de voto distrital. Não existe sistema eleitoral perfeito, o importante é escolher o que mais se adapta ao país. E o proporcional com lista aberta é bastante democrático em um país muito complexo, onde existem muitas divergências entre regiões e entre classes sociais. Assim como o sistema alemão, o brasileiro combina as vantagens de uma eleição proporcional e majoritária. O eleitor tem a opção de votar conforme sua ideologia, na legenda ou em um candidato nacionalmente conhecido, e a opção de votar de acordo com os interesses de sua comunidade.
Obviamente o Legislativo brasileiro é repleto de defeitos. Mas a reforma política deve ter como foco o financiamento público de campanhas, a fidelidade partidária e o combate às legendas de aluguel. A proibição de showmícios, propaganda em poste e carro de som já foi um avanço, porque reduziu a demanda por caixa-dois.