O ranking da liberdade econômica
A Heritage Foundation, auto-descrita como "um instituto de educação e pesquisa cuja missão é formular e promover políticas públicas conservadoras baseados nos princípios da livre-empresa, governo limitado, liberdade individual, valores americanos tradicionais e defesa nacional forte", publica anualmente, desde 1995, o ranking da liberdade econômica.
De acordo com o ranking de 2007, o campeão da liberdade econômica é Hong Kong, que lidera há vários anos. O segundo é Cingapura (estranhamente um país em que as terras pertencem ao Estado, mas vamos deixar a discussão para depois). Ocupam respectivamente as posições do terceiro ao décimo, Austrália, Estados Unidos, Nova Zelândia, Reino Unido, Irlanda, Luxemburgo, Suíça e Canadá. Os dez últimos, são respectivamente Coréia do Norte, Cuba, Líbia, Zimbábue, Burma, Turcomenistão, Congo, Irã, Angola e Guiné Bissau. Como é possível perceber, há uma diferença extremamente gigante e fenomenal de desenvolvimento entre os mais liberais e os menos liberais. Seria um sinal que o liberalismo leva ao desenvolvimento? Sem delongas, este texto serve para mostrar exatamente o oposto. Um próprio ranking desenvolvido por uma fundação pró-liberalismo pode mostrar que não há relação entre liberalismo e desenvolvimento.
Em primeiro lugar, deve ser questionada a metodologia do ranking. A Heritage Foundation calcula o "índice de liberdade econômica" de cada país, medido quantitativamente através dos seguintes critérios.
a) Negócios: facilidades de abrir, operar e fechar uma empresa.
b) Comércio: média das tarifas e a quantidade de barreiras não-tarifárias.
c) Tributação: tamanho e estrutura da carga tributária.
d) Tamanho do governo: gasto do Estado em proporção do PIB.
e) Política monetária: tamanho da inflação, existência de controle estatal sobre os preços, participação do Estado no sistema bancário.
f) Investimento: diferença de tratatamento entre investimento doméstico e estrangeiro.
g) Direitos de propriedade: segurança dos contratos, eficiência do judiciário.
h) Corrupção
i) Mercado de trabalho: flexibilidade, custos não salariais, facilidades de contratar e demitir.
A combinação destes critérios já mostra um grande viés, pois mistura coisas consideradas ruins por unaminidade, como corrupção, inflação e ineficiência, com coisas nem boas nem ruins por princípio, mas sujeitas a discussão, como o tamanho da carga tributária, a política de investimento estrangeiro e a existência de bancos estatais. Os países desenvolvidos são considerados mais liberais por terem maior facilidade de abrir uma empresa, menor inflação, menor corrupção e judiciário mais eficiente. Normalmente os países desenvolvidos têm carga tributária maior, mas como foi decidido arbitrariamente que isto só conta 1/9 da pontuação, países de carga tributária elevadíssima, como os da Escandinávia, estão entre os primeiros do ranking por causa de outros critérios. Ou seja, é muito fácil escolher critérios para fazer rankings da maneira desejada pelo elaborador, com vistas a provar um ponto de vista, neste caso, o de que o liberalismo econômico leva ao progresso.
Em segundo lugar, conectado à discussão do primeiro, vem a questão do ovo e da galinha. Os primeiros colocados são mais desenvolvidos porque são mais "liberais" ou são mais "liberais" porque são desenvolvidos? De acordo com o critérios para o cálculo do índice, países com justiça eficiente e corrupção reduzida são mais livres. Mas isto não seriam conquistas proporcionadas pelo desenvolvimento? Mesmo em relações a questões polêmicas, como políticas de comércio e investimento estrangeiro, e participação do Estado no sistema bancário, o que é bom para um país pode não ser bom para o outro. Pode ser bom para um país desenvolvido da União Européia ser aberto, mas o mesmo não valer para um país latino-americano ou asiático.
O Brasil, a despeito dos inúmeros comentários na grande mídia de que "o Estado controla tudo e sufoca a iniciativa privada" e de que precisamos de um "choque de capitalismo", figura na 70º posição, atrás da grande maioria dos países desenvolvidos, mas ainda na metade de cima. Perdemos posições por causa do excesso de burocracia, que faz a média de dias necessários para abrir uma empresa ser 152 dias, do justiça lenta e ineficiente e da corrupção, ítens que incomodam tanto quem é, quanto quem não é liberal. Poucos seriam contra subir posições neste ranking melhorando esses quesitos. O Brasil é criticado também pela presença do Estado nos setores de petróleo e energia (bom, aí são poucos no nosso país que desejam ganhar pontinhos por este aspecto). Em compensação, os impostos são considerados moderados. A alíquota superior do Imposto de Renda, de 27,5%, é uma das mais baixas do mundo. O mercado de trabalho é considerado razoavelmente flexível pela própria fundação, a despeito das críticas que eles fazem aos custos não salariais de mão-de-obra e aos custos de demissão.
Para avaliar se um modelo econômico é bom ou não, mais importante do que comparar níveis de renda per capita de um país para o outro, é comparar o crescimento. Entre os países que mais crescem na atualidade, estão a Índia (104º no ranking), a China (119º), a Rússia (120º) e o Vietnã (138º). A Coréia do Sul, outro caso de crescimento espetacular nas últimas décas, embora tenha uma economia considerada mais livre, não está muito nas cabeças, e sim na 38º posição. Ou seja, mesmo a partir de critérios definidos por uma fundação liberal, países com maior dinamismo econômicos na atualidade são considerados pouco liberais.
A crítica não é direcionada à fundação, e sim ao uso do ranking para enganar desatentos. Não seria surpreendente se no próximo número do famoso Panfleto Semanal, for feita uma breve reportagem sobre o ranking, omitindo o posicionamento do elaborador, dando a entender que tratam-se de medidas neutras, e ainda, os tradicionais quadros imbecilizantes, mostrando a lista dos dez mais liberais, dos dez menos, e o comentário acima "veja só como é melhor ter economia mais livre". A reportagem ainda seria coroada com uma foto dos impotentes prédios de Hong Kong ao lado da foto de crianças norte-coreanas subnutridas.
Para não ficar só na opinião de terceiros, aqui vai o link para a lista http://www.heritage.org/research/features/index/countries.cfm
De acordo com o ranking de 2007, o campeão da liberdade econômica é Hong Kong, que lidera há vários anos. O segundo é Cingapura (estranhamente um país em que as terras pertencem ao Estado, mas vamos deixar a discussão para depois). Ocupam respectivamente as posições do terceiro ao décimo, Austrália, Estados Unidos, Nova Zelândia, Reino Unido, Irlanda, Luxemburgo, Suíça e Canadá. Os dez últimos, são respectivamente Coréia do Norte, Cuba, Líbia, Zimbábue, Burma, Turcomenistão, Congo, Irã, Angola e Guiné Bissau. Como é possível perceber, há uma diferença extremamente gigante e fenomenal de desenvolvimento entre os mais liberais e os menos liberais. Seria um sinal que o liberalismo leva ao desenvolvimento? Sem delongas, este texto serve para mostrar exatamente o oposto. Um próprio ranking desenvolvido por uma fundação pró-liberalismo pode mostrar que não há relação entre liberalismo e desenvolvimento.
Em primeiro lugar, deve ser questionada a metodologia do ranking. A Heritage Foundation calcula o "índice de liberdade econômica" de cada país, medido quantitativamente através dos seguintes critérios.
a) Negócios: facilidades de abrir, operar e fechar uma empresa.
b) Comércio: média das tarifas e a quantidade de barreiras não-tarifárias.
c) Tributação: tamanho e estrutura da carga tributária.
d) Tamanho do governo: gasto do Estado em proporção do PIB.
e) Política monetária: tamanho da inflação, existência de controle estatal sobre os preços, participação do Estado no sistema bancário.
f) Investimento: diferença de tratatamento entre investimento doméstico e estrangeiro.
g) Direitos de propriedade: segurança dos contratos, eficiência do judiciário.
h) Corrupção
i) Mercado de trabalho: flexibilidade, custos não salariais, facilidades de contratar e demitir.
A combinação destes critérios já mostra um grande viés, pois mistura coisas consideradas ruins por unaminidade, como corrupção, inflação e ineficiência, com coisas nem boas nem ruins por princípio, mas sujeitas a discussão, como o tamanho da carga tributária, a política de investimento estrangeiro e a existência de bancos estatais. Os países desenvolvidos são considerados mais liberais por terem maior facilidade de abrir uma empresa, menor inflação, menor corrupção e judiciário mais eficiente. Normalmente os países desenvolvidos têm carga tributária maior, mas como foi decidido arbitrariamente que isto só conta 1/9 da pontuação, países de carga tributária elevadíssima, como os da Escandinávia, estão entre os primeiros do ranking por causa de outros critérios. Ou seja, é muito fácil escolher critérios para fazer rankings da maneira desejada pelo elaborador, com vistas a provar um ponto de vista, neste caso, o de que o liberalismo econômico leva ao progresso.
Em segundo lugar, conectado à discussão do primeiro, vem a questão do ovo e da galinha. Os primeiros colocados são mais desenvolvidos porque são mais "liberais" ou são mais "liberais" porque são desenvolvidos? De acordo com o critérios para o cálculo do índice, países com justiça eficiente e corrupção reduzida são mais livres. Mas isto não seriam conquistas proporcionadas pelo desenvolvimento? Mesmo em relações a questões polêmicas, como políticas de comércio e investimento estrangeiro, e participação do Estado no sistema bancário, o que é bom para um país pode não ser bom para o outro. Pode ser bom para um país desenvolvido da União Européia ser aberto, mas o mesmo não valer para um país latino-americano ou asiático.
O Brasil, a despeito dos inúmeros comentários na grande mídia de que "o Estado controla tudo e sufoca a iniciativa privada" e de que precisamos de um "choque de capitalismo", figura na 70º posição, atrás da grande maioria dos países desenvolvidos, mas ainda na metade de cima. Perdemos posições por causa do excesso de burocracia, que faz a média de dias necessários para abrir uma empresa ser 152 dias, do justiça lenta e ineficiente e da corrupção, ítens que incomodam tanto quem é, quanto quem não é liberal. Poucos seriam contra subir posições neste ranking melhorando esses quesitos. O Brasil é criticado também pela presença do Estado nos setores de petróleo e energia (bom, aí são poucos no nosso país que desejam ganhar pontinhos por este aspecto). Em compensação, os impostos são considerados moderados. A alíquota superior do Imposto de Renda, de 27,5%, é uma das mais baixas do mundo. O mercado de trabalho é considerado razoavelmente flexível pela própria fundação, a despeito das críticas que eles fazem aos custos não salariais de mão-de-obra e aos custos de demissão.
Para avaliar se um modelo econômico é bom ou não, mais importante do que comparar níveis de renda per capita de um país para o outro, é comparar o crescimento. Entre os países que mais crescem na atualidade, estão a Índia (104º no ranking), a China (119º), a Rússia (120º) e o Vietnã (138º). A Coréia do Sul, outro caso de crescimento espetacular nas últimas décas, embora tenha uma economia considerada mais livre, não está muito nas cabeças, e sim na 38º posição. Ou seja, mesmo a partir de critérios definidos por uma fundação liberal, países com maior dinamismo econômicos na atualidade são considerados pouco liberais.
A crítica não é direcionada à fundação, e sim ao uso do ranking para enganar desatentos. Não seria surpreendente se no próximo número do famoso Panfleto Semanal, for feita uma breve reportagem sobre o ranking, omitindo o posicionamento do elaborador, dando a entender que tratam-se de medidas neutras, e ainda, os tradicionais quadros imbecilizantes, mostrando a lista dos dez mais liberais, dos dez menos, e o comentário acima "veja só como é melhor ter economia mais livre". A reportagem ainda seria coroada com uma foto dos impotentes prédios de Hong Kong ao lado da foto de crianças norte-coreanas subnutridas.
Para não ficar só na opinião de terceiros, aqui vai o link para a lista http://www.heritage.org/research/features/index/countries.cfm
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